"Alivia o meu joelho!"

Glauco Espiritual - Pastorais
Imprimir

Um dos grandes desafios da cidadania no âmbito ético e político é minimizar ao máximo o estrago oriundo do sistema econômico capitalista. O poder econômico termina por subordinar todos e cada um dos poderes de uma sociedade, de tal forma que cada cidadão se vê refém de um sistema de consumo. Consequentemente, aquele com melhores condições financeiras e poder aquisitivo desfruta melhor a sociedade e os bens que dela advirem. Há de se pensar numa melhor distribuição dos recursos numa tentativa cidadã de igualdade, não uma igualdade comunista numa mudança da estrutura social, mas numa inclusão justa dos menos favorecidos ao que os mais abastados têm de sobra.

Como igreja, representante dos interesses de Cristo, e detentora, em certa medida, de recursos, é possível que se atenda a sociedade naquilo que o capitalismo lhe roubou. Parte das arrecadações de uma comunidade eclesiástica podem atender o cidadão no que tange a tecnologias, como computadores, internet, sistemas de telefonia e TV por assinatura, permitindo um maior acesso a informações.
Um outro aspecto que pode ser pensado diz respeito a educação de qualidade. Nada impede que uma igreja contribua para a matrícula e manutenção de pessoas carentes em cursos ou escolas melhores, oferecendo condições igualitárias de competição no mercado, desde cedo, às vítimas do capitalismo. Sabemos que vivemos num ciclo vicioso e injusto, onde os mais pobres estudam nas piores unidades educacionais, o inverso dos mais ricos, em função de suas condições e recursos. Mais tarde, os mais favorecidos ingressam em universidades públicas (que deveriam atender ao "público") pela ampla concorrência impedindo os mais humildes e os destinando, em meio às suas dificuldades financeiras, às caras faculdades particulares. O sistema de cotas tem inserido muitos alunos em fracas condições de se manterem no nível de exigência de uma instituição superior pública e tem falhado em muitos aspectos como na manutenção e sustento destes alunos. Neste sentido, vejo a igreja como uma possível solução de base, na medida que patrocine a educação, desde a tenra idade, de meninos e meninas que fatalmente se tornariam adultos desprovidos de condições educacionais.

Podemos pensar, ainda, num aspecto "impensável". No esporte, existe algum trabalho social do governo, bem como realizado pelas igrejas. Porém, apesar do ensino esportivo e da cessão de espaços, no que diz respeito a equipamentos estes trabalhos têm pecado. Hoje existem tênis, bolas, raquetes, capacetes, roupas e muitos utensílios e equipamentos de alta performance, que auxiliam o atleta no seu rendimento e já o condiciona para o alto nível de exigência em competições futuras. Ao contrário desta realidade, nos nossos trabalhos sociais, muitas vezes, a criança pratica o esporte com o "tênis que tem" ou o que foi possível com os parcos recursos de quem apoia o trabalho. Como igreja, vejo a necessidade de acompanhar a tendência tecnológica do mercado e permitir o acesso ao que houver de melhor àqueles que têm treinado sem um mínimo amortecimento na sola dos pés, dando-lhes um "alívio e refresco" e uma maior sobrevida aos joelhos, permitindo que compitam em reais condições de igualdade no presente e futuro.

Para esta mentalidade, é necessário que se observe práticas anti-cristãs dentro da própria igreja. Vemos que a tendência é utilizar-se das melhores roupas e adereços em dias de culto, sobretudo aos "domingos à noite". Isto termina por seccionar o próprio corpo, visto que muitos não possuem boas roupas. É fácil notar grupos de afinidades gerados a partir do potencial financeiro, que podem ir aos mesmos lugares após o culto, por exemplo. Com este tipo de conduta, num lugar onde o líder Jesus não vê roupa ou pulseira mas o coração, como ajudar o mais pobre a ser inserido numa sociedade mais justa e igualitária? É necessário que eu e qualquer outro cristão se abstenha das aparências para ir ao encontro dos que nem aparências têm. É necessário, e urge, que incluamos, desde o interior de nossas comunidades de fé, àqueles que o capitalismo excluiu, invadindo ousadamente os portões de nossos templos.

 

Glauco Rocha Machado, aluno de Teologia na Faculdade Unida do Espírito Santo
Resposta ao trabalho sobre igreja e cidadania