Maioridade Profissional

Sex, 16 de Dezembro de 2016 07:50 Glauco
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Ontem completei 18 anos de bombeiro, uma espécie de maioridade, e parece até que a responsabilidade aumenta.

Como de costume, e esperançosamente, acessei matinalmente minha conta pra ver se havia algum salário (o salário relativo ao mês anterior). Nada. Na metade do mês de dezembro, ainda não havia entrado o salário do mês de novembro! Ah… havia uma coisa nova na conta sim: um débito não autorizado de uma seguradora. Pouco mais de R$ 70,00 descontados indevidamente por um Seguro de Vida que não contratei. Como esse país vai pra frente? Estão batendo em “cachorro morto”. Estão roubando de quem não tem. Por que não experimentam descontar fraudulosamente um Seguro do senhor ex-governador? Ele sim, precisa e tem mais de R$ 200.000.000,00 pra gastar. Eu não tenho nem salário.

Que dia pra comemorar! Isso para um profissional de 18 anos dedicados com suor e sangue… Agora sou “di maior”, pai de família, uma família linda que Deus me deu e que me olha todos os dias com a confiança de que eu vou providenciar tudo que precisam. Talvez tenha o que comemorar sim… o fato de estar de pé, forte como nunca, com o vigor de um leão pra proteger a minha cria. Se bem que é a leoa que caça… mas não vou permitir que minha esposa (de resguardo) levante uma “pata” pra colocar comida dentro de casa. Ontem mesmo providenciei tudo… Fui ao mercado, comprei bastante coisa, no cartão de crédito, o que odeio, na esperança de poder pagar a fatura no mês que vem. Um leão “matando um leão por dia”. Estou reinventando o modo de viver porque nossos representantes não conseguiram reinventar o Brasil.

Sabe o que mais me incomoda? Por incrível que pareça, não é a falta de salário e a consequente falta de dinheiro. Não, de forma alguma. Uma crise dessa natureza poderia acontecer por diversas razões… bolsa de valores, petróleo, guerra… mas nós sabemos que não é bem assim. O que mais me incomoda é o real motivo desta crise. Estamos colhendo frutos da corrupção, do desvio de recursos públicos, da má gestão de nossos governos. Um raciocínio simples esclarece isso: Imagine se todo o dinheiro desviado ao longo de todos esses anos (não só os 200.000.000,00, mas tudo), por todos que supomos ter desviado alguma coisa, voltassem aos cofres públicos… Estaríamos ricos! Cidade Maravilhosa? Não, isso seria pouco! Brasil, um país do futuro? Não, isso seria pouco! Novos apelidos seriam criados para justificar tamanho brilho que teríamos na comunidade internacional.

Sabe o que mais me entristece? Por incrível que pareça, não é a redução dos recursos para a minha família, como alimentação mais barata, educação mais básica ou brinquedinhos mais “vagabundos”. Nada disso, de forma alguma. Eu poderia viver isso por outras razões… doença, má gestão (do MEU dinheiro), auxílio a necessitados… mas sei bem que não é bem assim. O que mais me entristece é não ter esperança no futuro do nosso país. Não temos suporte para mudar. Nossa gente repassa má conduta por séculos. Passaremos, sim, indubitavelmente, por um período com menos desvios, menos roubo, menos corrupção. Mas, infelizmente, isso não se dará porque nossos políticos melhoraram, mas porque estarão com medo de serem pegos, a exemplo dos nossos digníssimos encarcerados.

A esperança que tenho é utópica… é ver os pais ensinando aos filhos aquilo que nunca foram. Nosso povo é desonesto, essa é a verdade. Está sempre dando jeitinho, articulando coisas para burlar o sistema, se dando bem onde for possível. Os políticos que lá estão um dia foram crianças, no meio de um povo imundo fantasiado de boa gente. Pra mudar, precisaríamos de desonestos repassando honestidade, geração após geração, até que a honra ficasse entranhada em nosso DNA.

Hoje já é o dia seguinte, o aniversário foi ontem, 18 aninhos, e eu continuo abrindo minha conta. Descobri que a “Maioridade Profissional” existe e acontece quando a minha responsabilidade aumenta, quando percebo que um descuido meu compromete a vida dos meus filhos e, consequentemente, a sociedade. A minha “maioridade” chegou, atingi o meu limite, tenho família pra cuidar, tenho a mim mesmo pra sobreviver, e tenho um país inteiro pra construir.

Essa crise? Vai passar. E quando passar, espero que não volte. Mas se voltar, estarei lá, de pé, sem um tostão no bolso, mas pronto, de novo, para enfrentá-la.

 

Glauco Machado – Bombeiro Militar