Sem Impedimento

Qui, 15 de Setembro de 2011 20:15 Glauco
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Atos 28.30-31

"E Paulo ficou dois anos inteiros na sua própria habitação que alugara, e recebia todos quantos vinham vê-lo, pregando o Reino de Deus e ensinando com toda a liberdade as coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo, sem impedimento algum"

O apóstolo Paulo foi um homem que inspirou e inspira multidões. A forma como tratava dos assuntos de Deus e como enxergava os acontecimentos da sua vida trouxeram impactos profundos na história. Paulo não via um obstáculo como tal, mas como uma oportunidade de transposição. Paulo via a dor e a humilhação como oportunidade de suportar o próximo. Paulo via força na fraqueza e no medo via o cuidado de Deus. Ele sentia prazer naquilo que os demais chamariam de desprazer.

Foi este mesmo homem que resolveram prender. Foi como matar um suicida. A prisão não lhe faria mal algum.

O primeiro ponto que destaco nesta prisão de Paulo é o cumprimento do tempo. Aprouve a Deus inspirar que se escrevesse "inteiros". Dois anos se completaram ali, não houve interrupção ainda que uma fuga pudesse ocorrer ou o próprio Deus pudesse operar em favor. Mas, ao invés disso, houve a completação do período para aquele propósito. Isto me chama a atenção por conta de tantas obras incompletas que encontramos. Começamos um ministério, decidimos o período, e paramos no meio do caminho. Iniciamos uma boa obra, algumas vezes até sem período definido e, ainda assim paramos antes do tempo. Certa vez assumi um trabalho na igreja que, ao meu ver, duraria pelo menos um ano. Larguei em seis meses. Fui fraco diante das dificuldades, e como hoje me arrependo. Não me arrependo somente pelo que deixei de fazer, mas principalmente por não ter cumprido a vontade de Deus. Se naquela época eu fosse como Paulo poderia dizer: fiquei um ano inteiro, ou mais.

O segundo ponto notável foi o aluguel. Ele estava preso na "sua própria habitação que alugara". Ou seja, havia um custo pra ele. Paulo empregava seus recursos para fazer a vontade de Deus. Ele poderia ter sido preso em qualquer lugar. Deus poderia ter providenciado qualquer tipo de prisão para o cumprimento de Sua vontade. Mas pareceu bem a Deus que suas finanças fossem aplicadas no reino. Em algumas oportunidades não fazemos a vontade de Deus porque nos julgamos sem recurso. Paulo poderia ter feito a mesma pergunta que ocultamente assola os corações de muitos: "Tudo bem, eu vou. Mas ainda tenho que pagar por isso?". Aliás, o que seria um aluguel diante do preço pago por Jesus na cruz. O que é esse dinheirinho medíocre, que supostamente não podemos gastar na obra de Deus, diante de tudo o que Ele fez por nós?

Seguindo em frente, vejo um terceiro ponto: "Recebia todos". Paulo não fazia acepção de pessoas. Nós escolhemos a quem pregar. Tendemos a escolher aqueles mais propícios a receber nossa pregação. Enquanto isso Deus opera transformações incríveis na vida de homens e mulheres completamente avessos ao evangelho. Tive a oportunidade de participar de uma campanha de oração, na Academia de Bombeiros, por aqueles que zombavam da nossa fé. Decidimos orar a Deus por uma lista de nomes que fizemos de gente que não queria saber de nada sobre o Reino dos Céus. Foi um prazer inexplicável ver um daqueles jovens levantando a mão pra Jesus em um dos nossos cultos ao Senhor. Outros dois se aproximaram de nós através da música. Um deles chegava a pedir determinado louvor. Importante frisar que falamos de gente que antes nem se aproximava das coisas de Deus.

A hospitalidade de Paulo era uma ferramenta poderosa. Paulo, enquanto solto, ia até as pessoas. Quando preso permitia que elas viessem até ele. Paulo tinha contato com gente. Hoje nem nos achegamos, nem permitimos que se cheguem a nós, neste mundo virtual em que vivemos de redes sociais e bate-papos online. Certo dia parei para prestar atenção nas pessoas no ônibus e percebi que todos procuram bancos totalmente vazios, mesmo havendo um segundo lugar vazio em cada banco já ocupado, ainda que esta atitude acarrete se sentar no fundo saltitante do coletivo. Quantas amizades são perdidas pelo nosso isolamento. Quantas oportunidades de levar a Palavra de Deus a alguém deixamos passar porque queremos ficar sozinhos. Percebi também que aqueles que se sentam sozinhos costumam se esparramar um pouco mais no banco, como que obstruindo sutilmente a possível intenção de outros de se sentarem. E é muito natural que alguém (não havendo lugares totalmente vazios) busque se assentar ao lado de alguém que lhe dê um espaço confortável. Paulo abria espaço para que outros entrassem e se assentassem com ele.

Mais um aspecto deste mesmo ponto diz respeito ao preparo de Paulo. Alguém que recebe gente o tempo todo deve estar preparado pra isso. Já vi pessoas não abrindo suas portas para um culto no lar porque se julgavam despreparadas, por conta da pseudo necessidade de se preparar um lanchinho, por não ter tempo para arrumar a casa, ou por vergonha. Um líder que tive na adolescência sabiamente proibiu os lanchinhos por conta do constrangimento daqueles que não podiam prepará-los. Infelizmente não adiantou muito porque as pessoas inventam outros despreparos. Paulo estava preparado para o que viesse. Estou certo que tendo comida ou não, a casa estando arrumada ou não, qualquer um era bem-vindo. Fizesse chuva ou sol as portas estavam abertas.

Ainda um quarto ponto me chama a atenção: Paulo pregava! Alguns mais debochados, conscientes de que Paulo não fazia outra coisa na vida, talvez retrucassem: "Oh! Que observação fantástica!". Realmente, esta observação seria digna de chacotas, caso não se observasse com atenção todo o texto, desde o início. Se retiramos, o que está entre vírgulas, "e recebia a todos os que o visitavam", a concordância fica perfeita em "... ficou dois anos inteiros na sua própria habitação que alugara pregando... ". Ou talvez brincando um pouco com hiperbatos: "... ficou pregando dois anos inteiros... ". Agora sim: "Oh! Que observação fantástica!"; se não fosse trágica, porque nem de perto pregamos tão intensamente, aproveitando todas as oportunidades, nem sequer duas semanas inteiras.

Vemos também, num quinto ponto, que Paulo ensinava. Coisa boa é ensinar! Dizem, e com alguma razão, que a melhor maneira de aprender é ensinando. Disto concluímos que no ensino todos saem ganhando, quem ensina e quem recebe o ensinamento. Posso reconhecer isso categoricamente, porque como aprendi nas instruções que ministrei no trabalho e como recebi de Deus nas mensagens que tive oportunidade de pregar. Vale salientar que "ensinando" é um gerúndio, com "pregando", também ligado aos dois anos. Ministério fantástico: Paulo pregou e ensinou na prisão por dois anos inteiros! Muito diferente dos nossos professores dominicais (quem tiver ouvidos ouça) que são incapazes de ensinar fora escola bíblica.

Paulo estava livre! Este é o sexto ponto. Enquanto muitos chamariam a prisão de cerceamento da liberdade, Paulo se sentia livre. Livre para fazer a vontade de Deus. Não importa quão limitados somos. Ninguém é tão limitado que não possa cumprir a vontade de Deus. Paulo estava preso, mas estava solto. Parece paradoxo, mas realmente Paulo estava solto, porque o conceito de prisão está intimamente ligado ao que se quer fazer. Se o que ele queria fazer era a vontade de Deus, não importava o lugar, estava solto na presença de Deus. Livre quando preso como forte quando fraco. Quantas vezes nos limitamos no tempo e no espaço, como se nossa liberdade nos tivesse sido tirada. Quão criativos nós somos para provar aos outros o quão coitadinhos nós somos por não poder atender a um convite. Imagine se Simão Pedro estivesse preso as redes de forma a não atender o convite de Jesus. Provavelmente jamais se tornaria pescador de homens e muito menos teríamos ouvido falar dele.

Num sétimo ponto vemos Paulo focado em Jesus: "... coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo... ". Ele não perdeu o foco, se manteve em Cristo. Paulo, preso, poderia falar sobre qualquer coisa. Ou não falar nada, porque naquela condição o importante, teoricamente, seria ouvir por não saber o que se passava fora dali. Poderia ainda olhar para si e resolver suas próprias coisas. Mas diferente disso preferiu fazer as coisas de Deus. Não é difícil ver pessoas escolhendo suas coisas em detrimento às coisas de Deus. Se soubessem que as coisas de Deus, aquelas que vem do alto, são melhores que as nossas, talvez mudassem o foco. Muitos se desviam do caminho porque, não enxergando a situação como uma oportunidade para cumprir a vontade de Deus, decidem cumprir suas próprias vontades.

Por último, um oitavo ponto nos salta os olhos. Paulo não tinha impedimento algum. Qualquer pessoa descompromissada veria a prisão como um impedimento para o ir e vir. E sem ir e vir não podemos cumprir o "Ide" de Jesus. Besteira! O Ide de Jesus não é para onde queremos ir, mas estar onde Deus quer que estejamos. Paulo, "sem impedimento algum" cumpriu a vontade de Deus. Não via limitações em quatro, ou mais, paredes. E nós? Quantos falsos impedimentos se agigantam diante de nós, porque deixamos, ou os criamos, sem fundamento algum. Tenho um amigo cadeirante. Muitos talvez o vejam como limitado, mas se soubessem o quanto ele busca fazer a vontade de Deus, participando de programações e até viagens missionárias, chegariam a conclusão que limitados são aqueles que o julgam e não conseguem falar de Deus pra ninguém. Quem seria limitado? Paulo que prosperou no cumprimento de sua missão durante dois anos ou qualquer um que em dez não chegariam a se comparar a ele?

Resumindo, preso, Paulo escreveu cartas aos Efésios, aos Colossenses, aos Filipenses e a Filemon. Cartas estas que mudaram a vida de uma infinidade de pessoas ao longo da história, e ainda não cessou de mudar. Preso, Paulo testemunhou até aos guardas, seus algozes. Enfim, Paulo de preso não tinha nada. E serve de lição para nós que nossas limitações, ou pelo menos o que chamamos de limitações, são na verdade uma condição vexatória do nosso conciente corrompido. Diante de Deus, na obra do Senhor, não há impedimentos, não há grilhões, não há limites, não há prisões.

 

Mensagem pregada na Missão Batista em Padre Miguel em 21 de agosto de 2011

Glauco Rocha Machado