Coluna de Fogo

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O maior espetáculo da Terra

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O Brasil é marcado internacionalmente pela festa carnavalesca neste período de fevereiro, por vezes março. Muitos a chamam de Maior Espetáculo da Terra. Talvez o seja, haja vista o vulto do evento, aos atentos olhos nacionais e estrangeiros. Porém, não quero julgar pelos olhos de quem curte o carnaval, mas pelo ponto de vista de quem trabalha nele.

No primeiro dia desta "festa da carne", no sábado de carnaval, onde os prazeres carnais se manifestam além da razão, estive de plantão na minha unidade do Corpo de Bombeiros. A primeira percepção que tive foi de que o número de ocorrências é muito superior aos outros dias. Passei a noite em claro atendendo a diversas solicitações de socorro (com algumas cochiladas entre uma e outra). Fui a um incêndio em um baile de carnaval onde algumas pessoas saíram queimadas, estive também em alguns acidentes de trânsito com motoristas embriagados. Vi (e socorri) pessoas polifraturadas, moribundas, e vi gente morta. Vi um morador perder todo o seu trabalho de estofados em um incêndio, enquanto ele não estava em casa (ao menos salvamos metade da sua residência). Saliento que estou falando de apenas uma das dezenas de unidades no Rio de Janeiro, em apenas um dia de carnaval.

Refleti: segundo um dos nossos conhecidos dicionários, espetáculo é divertimento público ou maravilha. Mas se este "espetáculo", o maior da Terra, não existisse, muita gente ainda estaria viva ou não teria prejuízos físicos e/ou financeiros. Quantos danos, dos maiores da Terra, presenciei em apenas um dia de "espetáculo"! Que maravilha ou divertimento é este que traz consequências comparáveis às grandes tragédias e algumas guerras?

Um dos eventos mais impressionantes que atendemos nesse dia foi um atropelamento. Um jovem, de madrugada, voltava sozinho de uma farra de carnaval, completamente alcoolizado, ou drogado, ou as duas coisas. Utilizava o carro da empresa onde trabalhava. Atropelou e matou um ciclista que também voltava do carnaval. Outro ciclista, igualmente alcoolizado, ou drogado, ou as duas coisas, amigo da vítima, sobreviveu e lamentava desconsolado a morte do amigo. O motorista, desorientado, dizia que não deveria ter saído de onde estava para ver sua família, como um dos seus foliões amigos o orientara, e reclamava da bicicleta que aparecera "do nada" à sua frente. Algumas vezes vemos o quanto o Diabo é sujo: O atropelador não lamentava por ter ingerido entorpecentes, ou ter deixado sua família para curtir sua carne, mas lamentava ter voltado, porque matou um homem. Ele foi preso, por várias infrações, se machucou, fatalmente perderá o emprego, talvez a família, e teve sua vida desgraçada pelo carnaval. O ciclista, não menos errado, não é contemplado pela Lei Seca, mas imagino não ser coerente pedalar embriagado. De quem é a culpa no acidente? Dos dois? Não sei. Mas estou certo que se o carnaval não existisse o ciclista estaria vivo, seu amigo não estaria chorando e o motorista não teria a sua vida arrazada na tenra idade.

Em cada trajeto, víamos praças lotadas de sorrisos estampados nos rostos, numa alegria falsa e momentânea. Lembro que na sexta-feira levei a minha esposa para tomar um açaí em uma barraquinha próxima de casa. Como o carnaval, na sexta, já está esquentando os tambores, compramos aquela deliciosa iguaria e voltamos para o condomínio. Sentamos num banco do playground e passamos boa parte da noite conversando, ao frescor de um vento delicioso, e nos deliciando em quase um litro de açaí.  Não consigo sequer imaginar qualquer comparação com a felicidade que eu sentia por estar ali na companhia da pessoa com quem escolhi viver, tomando um açaí, com toda a fidelidade no casamento que Deus exige de mim. Aquele motorista poderia ter feito o mesmo.

Segundo algumas pesquisas, no carnaval de 2011, mais de 200 pessoas morreram só em rodovias federais. Os homicídios, só os dolosos e registrados, no Rio chegou a 40. No Ceará, 65. Acrescente-se a isso os acidentes em outras vias e os homicídios nos outros estados, além dos não registrados  e dos culposos (não sei e não pesquisei os números). Some-se às mortes por overdose de drogas (não faço nem idéia). Não tenho dúvida de que as vidas ceifadas naquele período chegaram a mil, isso sem contar os estragos materiais, as agressões, os ferimentos dos sobreviventes, os assaltos e os sequestros relâmpagos. As máscaras favorecem muitas coisas. Não estou nem levando em consideração as estatísticas de lares desfeitos por traição, ou as doenças sexuais (podendo gerar mais mortes a longo prazo) trazidas para dentro de casa após estripulias promíscuas e iníquas, em atendimento aos desejos da carne.

No mesmo período de 2011, uma tragédia na região serrana alcançou à casa das mil mortes, por deslizamentos e desabamentos, e ninguém chama isto de espetáculo. Talvez porque ninguém ria enquanto outros morriam, talvez porque na Região Serrana ninguém ganhava dinheiro enquanto pessoas morriam (pelo menos não antes e durante). Dos dois casos, um tentam evitar, prevenir, trabalham para que seja extirpado ou minimizado. Já o outro, lutam para que seja divulgado, que atraia mais gente, que mais homens se vistam como mulher. Fazem até pseudo campanhas preventivas, que mais parecem estimular o povo ao contrário. Planejam uma semana de uma alegria destrutiva que, como bem disse meu amigo Rafael, em seu artigo Carnaval x Santidade, chega na quarta-feira de cinzas com o mesmo vazio, com a mesma falta de Deus que havia antes do período. Chego à conclusão que ambos os eventos não deveriam existir, um porque é tragédia, pura e simples, e o outro porque, além de tragédia, aproxima as pessoas do Diabo e dos seus deleites. O carnaval não deveria existir para que vidas fossem poupadas e eu trabalhasse menos, para o bem da sociedade.

Glauco Rocha Machado - 1º Tenente Bombeiro Militar

Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro

 

 

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